Textos



(Artigo da coluna mensal de gastronomia do Jornal das Lajes, de Resende Costa-MG - Escrito por "ele", sempre com ajuda "dela")


“Confit de porc?” ou “Carne de lata”?

                                                                                           Cláudio Ruas | 13 de Dezembro de 2011

Um mineiro da roça que acabou indo visitar a Europa, logo foi pra capital da França, a charmosa e badalada Paris. E o amigo metido a chique acabou levando-o pra um restaurante bem sofisticado. Pegou o cardápio morrendo de medo e, sem entender nada, já foi direto aos preços, quase caindo da cadeira, quando seu amigo falou: “A sugestão do chef é esse aqui!”, apontando para o confit de porc. Sem alternativa e com grande expectativa com algo tão inédito (e caro), pediu o prato, que chegou coberto com aquela pomposa tampa de metal. Mas quando viu e provou a iguaria, tomou um susto: “Uai, isso aqui tá igualzim a carne de lata da minha mãe lá na roça!”. “Mas não é possível”, retrucou seu amigo, que logo perguntou ao garçom como era preparado, ficando estarrecido com a resposta: o prato chique e caro do restaurante nada mais era do que a “carne de lata” que nós mineiros do interior conhecemos muito bem.

Pra quem não sabe, essa é uma técnica muito antiga, trazida pelos europeus e utilizada, sobretudo, para conservar a carne do porco abatido (ou de outros animais) em sua própria gordura. A carne é frita e depois armazenada em uma lata, mergulhada na gordura, podendo durar vários meses fora da geladeira. Na hora de consumir, basta tirar um pedaço e esquentar na frigideira com a própria gordura endurecida que vem agarrada nele. Tomando os devidos cuidados (como não usar talher sujo e molhado e não deixar pedaços descobertos – lições da minha querida vovó Lia) essa preciosa lata dura muito tempo, o que torna a carne ainda melhor após a sua maturação, seu descanso, sem pressa...coisa de mineiro. Daí se explica a palavra “confit”, que na gastronomia quer dizer “feito lentamente, com alguma gordura”, seja lá qual ingrediente for, desde o tradicional prato francês confit de canard (pato na gordura do pato), até mesmo um tomatinho assado no forno fraco com bastante azeite.

Mas voltando à “carne de lata”, é interessante notar que hoje em dia ela tem sido cada vez mais valorizada por aqui, deixando de ser apenas uma coisa restrita à roça. Até no mercado já existe à venda e em alguns bares e restaurantes ela é servida com muita “personalidade”. Além do sabor incomparável, a “carne de gordura” ainda tem outras vantagens, como a facilidade de preparo (basta aquecê-la, até mesmo no micro-ondas!), o aproveitamento da gordura saborosa pra elaborar outros pratos (verduras, farofas etc.) e a desnecessidade de geladeira, evitando trabalho, prejuízo, energia elétrica etc. (tudo que um dono de bar/restaurante quer). Outro ponto positivo é que não é preciso estar na roça e matar um porco pra se encher uma lata de carne, pois seu preparo é muito mais simples do que se imagina. Uma receita bem fácil e com menos sujeira é: temperar com antecedência a carne (pernil ou costelinha) com apenas alho e sal; levar ao forno em fogo médio por 45 minutos; em uma panela, derreter a banha de porco (encontrada em supermercados) e fritar a carne rapidamente, passando-a em seguida diretamente para a vasilha seca e higienizada em que for guardá-la (baldinho de plástico com tampa, daqueles que vêm com azeitona ou cogumelo, é uma boa); esperar esfriar um pouco a gordura e despejá-la por cima da carne, cobrindo-a completamente e, principalmente, não tampar até que tudo esteja totalmente frio (isso é muito importante, senão a superfície mofa). Vale a pena fazer e ver que o “chique” muitas vezes é o simples encarecido. E que ingredientes “simples” (como miúdos de porco e boi, por exemplo), são muito mais valorizados e consumidos no primeiro mundo do que no Brasil. Sorte nossa é que se der vontade de comer um confit de porc , não é preciso ir a Paris, basta ir ao bar do Vanderlei Baixinho em Resende Costa!

Mas voltando ao causo do mineiro, no final do jantar e com os beiços brilhando ele disse: “Tava bão por demais, mas a carne lá da roça ainda é bem mió. E beeeeem mais barata...”.

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(Artigo da coluna mensal de gastronomia do Jornal das Lajes, de Resende Costa-MG - Escrito por "ele", sempre com ajuda "dela")

Gastronomia
A DONA DA HORTA

Cláudio Ruas | 14 de Maio de 2012

Com tanto assunto pra escrever aqui na nossa coluna eu estava duvidoso sobre qual seria o tema desta edição. Até que um almoço na casa da Dona Lia (minha avó materna) acabou com a dúvida: hoje vamos de couve. E refogada na gordura de porco.

Apesar da variedade de verduras de folha que consumimos e adoramos por aqui em Minas, a couve é a “dona da horta”. Tanto é que no interior ainda se chama a horta de “horta de couve”.

A couve costuma ser apenas um coadjuvante de uma refeição, servindo de acompanhamento ou ingrediente, mas é impressionante como ela é indispensável e quase nunca sobra. A feijoada, o tropeiro, o frango e o angu geralmente sobram nas farturentas mesas mineiras, mas reparem que a couve costuma sempre acabar!

O preparo é simples, mas alguns detalhes e cuidados fazem muita diferença. A couve é bastante delicada e não pode com muito calor na panela (a variedade com talo roxo é mais resistente). O ideal é que ela seja refogada praticamente cozinhando e, para isso, uns pingos de água no refogado ajudam bastante. Assim como deixá-la cortada de molho na água, quando fica bem hidratada e suporta melhor o fogo. Já se a couve estiver picada extremamente fina – como muitos adoram e defendem – ela fica mais exposta ao calor e tende a ressecar e embolar. Na minha opinião, a couve bem fininha funciona melhor em saladas, caldos e para ser misturada ao mexido e ao feijão tropeiro. No caso do tropeiro, outra dica: não refogue, apenas misture com os outros ingredientes que já estão na panela, pois só o calor desses já será suficiente para cozinhá-la, sem perder seu frescor, deixando ainda o prato mais leve e menos calórico.

Rasgada com a mão ou picada em quadrados de dois centímetros a folha fica mais suculenta, pois sua área de exposição ao calor é menor, e combina perfeitamente para se comer com o angu, seu fiel parceiro.

Há os que costumam refogá-la no alho, mas, penso que o sal já é suficiente para o tempero, evitando ainda o risco de amargar, como ocorre com o alho frito excessivamente.

Mas o grande diferencial é o uso de gordura de porco, seja a da “lata”, ou a que sobrou da fritura do bacon ou até mesmo a banha comprada no supermercado. Uma vez ou outra ela não vai te matar (nem engordar), o que permite ainda colocar uma quantidade mais generosa. Como se diz na roça, couve que se preze tem que ser “lumiano” na panela, brilhando lá de longe.

Terminando o preparo, é bom ter cuidado com o calor que fica na panela mesmo desligada, sendo interessante transferi-la a uma vasilha para não continuar cozinhando e amarelar (ou então desligar o fogo com antecedência).

Galinha gosta de talo de couve não é à toa, portanto, não os jogue no lixo. Bem picado, podem ser refogados juntamente com a folha ou irem pra farofa ou risoto, que vão ficar nutritivos e crocantes. Já experimentou bater no liquidificador uma folha com suco mexerica ou laranja? E charutos de couve, recheados com purê de abóbora e linguiça, gratinados no forno com queijo curado? (Antes de enrolar os charutos, amoleça as metades da folha em água morna por um minuto).

Enfim, dá pra fazer muita coisa boa e diferente com a couve, mas pra mim a melhor mesmo sempre vai ser a tradicional, “lumiano”, com angu, arroz, feijão e costelinha da lata. De preferência feita pela Dona Lia, como naquele almoço que me deu a idéia do artigo, com couve fresca lá das bandas da Serra da Moeda. E o mais interessante é que, há anos, observo e tento aprender a técnica do preparo com a vovó. Repito seus passos sistematicamente (à exceção da couve cortada à mão, que não consigo e me rendo à tábua), mas nunca fica - e nem vai ficar - igual e perfeita como a dela. Coisas da gastronomia...


2 comentários:

  1. Por muito tempo, ao amigo primo irmão Cláudio Ruas, alicerçado na forte culinária mineira do Povo do Góes, busca respostas sensoriais na boa comida. Desta forma, incentiva também o casal Elis e Toninho ao bom gosto culinário. Como se não bastasse DonAmana, sua companheira, nos apresentou também o que tem de melhor na Vinícola Bento Gonçalves no sul deste país. Somos que, parceiros nesta jornada em busca da apreciação de bons pratos, boas bebidas e sempre acompanhados da companhia e da prosa dos amigos, tão pregada pelo casal gastrô.

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